5.8.07

Uma história

Passaste por mim como um arrepio, mas reconheci-te de imediato.

Um pressentimento forte demais para ignorar, um presságio em forma de calafrio atravessou-me e disse-me que eras tu. Os indícios em tudo à minha volta estavam lá, apontando em todas as direcções, todas elas, a mesma. Para ti.
Tudo confirmava a tua fugidia presença, o jeito escorregadio, como se não quisesses estar ali. Sentia que te conhecia desde sempre, o riso, a pele, o perfume. O coração gelado, silencioso e a maldade pura das crianças.

Noutra vida, sei que me perdi contigo. Caminhei ao teu lado, busquei desvendar-te, ao que escondias no olhar. Quis saber a que sabias, conhecer o que se apegara à tua pele... conhecer-te o sorriso travesso enquanto ateavas fogo ao meu mundo, as tuas revoluções, revoltas e conjurações. Ofuscaste-me, rasgaste-me a alma de paixão, consumiste-me, mergulhei no teu universo pela densidade do teu desconhecido. Enlouqueci feliz no esquecimento daqueles dias, que se alternavam entre os mais felizes e os mais ferozes da minha vida.

Fui picada mil vezes, ingeri o teu veneno mais letal, mas sobrevivi ao mergulho, salva pelo meu apego à terra, ao chão firme, à luz quente do sol.
No caminho de volta reencontrei pedaços preciosos do que fora antes de ter entrado no teu mundo, antes de ter os meus olhos focados no impossível. Reconstituí-me protegendo os pedaços que me sobraram. E tu doias-me fundo na alma magoada que ainda gritava e só gritava por ti. Apenas a densidade crua das coisas me salvou porque me fez pensar em mais que em ti... Foi preciso tempo para ver o encantamento de outra alegria possível que, sem fogos de artifício ou alegria como a que conheci em ti, ardia plena na intensidade do que é real.



E agora, a velha história, o mesmo engano. Mas, na distância, aprendera.



Lembrava-me de tudo desde o nosso último abraço. Estudara atentamente os meus erros e vinha preparada. Mas as cicatrizes ainda me doíam fundo e amarrei-me ao real. Permiti que chovesse e esperei que parasse. E no sono calmo e escuro dos meus abismos, único lugar onde o meu espírito se aquieta, decidi sair. Enquanto dormias, dei-te um último beijo que não te acordou e saí do teu mundo.


Estava curada e podia agora voltar a sonhar sonhos sem ti.